Personagem secundária, Miguel assume um papel relevante no desenrolar do romance, e não apenas como pai da protagonista. Sua atuação foi crucial nos diversos eventos ocorridos no desenvolvimento da narrativa. Português de nascimento e nobre de ascendência, é retratado como um homem bom, honrado e cheio de virtudes. Pouco se diz sobre a sua caracterização física, o que importa é o seu caráter, pois é ele o motor de toda a intriga. É descrito de forma positiva pelo narrador que projeta nele características do imigrante português trabalhador, leal, simples, honrado e honesto, o oposto de boa parte dos seus patrícios que imigravam para o Brasil. Durante a narrativa observa-se que este olhar positivo projetado sobre Miguel é bastante coerente, uma vez que suas atitudes ao longo do romance revelam seu caráter bondoso. Nota-se que o tipo de relacionamento que ele mantinha com as outras personagens era fundado, sobretudo, na confiança, na franqueza e na bondade e não na conveniência e na obtenção de proveito próprio. Segundo o narrador, ele
era um homem de mais de cinquenta anos; em sua fisionomia nobre e aberta transpirava a franqueza, a bonomia, e a lealdade. Trajava pobremente, mas com muito alinho e limpeza, e por suas maneiras e conversações, conhecia-se que aquele homem não viera ao Brasil, como quase todos os seus patrícios, dominado pela ganância de riquezas. Tinha o trato e a linguagem de um homem polido, e de acurada educação. De feito Miguel era filho de uma nobre e honrada família de miguelistas, que havia emigrado para o Brasil. Seus pais, vítimas de perseguições políticas, morreram sem ter nada que legar ao filho. Sem meios e sem nenhuma proteção (GUIMARÃES, 1978: 47-48).
Miguel viu-se obrigado a trabalhar na tentativa de assegurar o seu sustento. Trabalhou como jardineiro, horticultor, até que conseguiu trabalho na fazenda do Comendador Almeida, como feitor, mas não se enquadrava nas exigências da função: manter os escravos sob rédeas curtas, torturas e maus tratos. Há diversos episódios ao longo do romance que fortalecem isso, como se pode ler no seguinte fragmento:
Miguel entretinha relações ocultas com alguns dos antigos escravos da fazenda de Leôncio, os quais, lembrando-se ainda com saudades do tempo de sua boa administração, conservavam-lhe o mesmo respeito e afeição. (GUIMARÃES, 1978: 108)
Nos longos anos que lá trabalhou como feitor na fazenda do Comendador Almeida, manteve com a escrava Juliana uma relação amorosa. Desta relação, nasceu Isaura como nos conta o narrador:
o feitor, porém, que era um bom português ainda no vigor dos anos, e que não tinha as entranhas tão empedernidas como o seu patrão, seduzido pelos encantos da mulata, em vez de trabalho e surras, só lhe dava carícias e presentes, de maneira que daí a algum tempo a mulata deu à luz da vida a gentil escravinha. Este fato veio exacerbar ainda mais a sanha do comendador contra a mísera escrava. Expeliu com impropérios e ameaças o bom e fiel feitor» (GUIMARÃES, 1978: 18).
Ao tomar conhecimento da gravidez da escrava Juliana, o Comendador Almeida mandou Miguel embora da fazenda e, consequentemente, castigou duramente a escrava que não suportou os maltratos e morreu. Miguel revela-se, assim, um homem profundamente magoado, ressentido e angustiado por não ter podido proteger Juliana e a sua filha Isaura das agruras da escravidão, contudo não fica desempregado por muito tempo: «Não lhe faltava serviço nem acolhimento pelas fazendas vizinhas. Conhecedores de seu mérito, os lavradores em redor o aceitariam de braços abertos; a dificuldade estava na escolha. Optou pelo mais vizinho, para ficar mais perto possível de sua querida filhinha» (GUIMARÃES, 1978: 48). O que revelou ter sido uma boa decisão, pois, acobertado pela esposa do Comendador Almeida, sempre que podia visitava sua filha.
Nota-se que do ponto de vista psicológico, o traço mais acentuado dessa personagem é a determinação e a coragem. Não obstante, esse traço fica mais evidente quando tenta obter do Comendador um preço pela liberdade de sua filha. É o que nos revela o narrador:
Miguel sobrepujando todo o ódio, repugnância e asco, que lhe inspirava a pessoa do Comendador, não hesitou em ir humilhar-se diante dele, importuná-lo com suas súplicas, rogar-lhe, com as lágrimas nos olhos, que abrisse preço à liberdade de Isaura» (GUIMARÃES, 1978: 49).
Desse modo, conseguiu do Comendador um preço pela liberdade de Isaura (dez contos de réis num prazo de um ano). Apesar de considerar um valor para ele demasiado elevado, trabalha sem cessar, impondo-se privações e à custa de muito sacrifício e economia obtém o valor acordado com o Comendador. No entanto, ainda assim, a quantia previamente pactuada é rejeitada por Leôncio. Miguel recorre a várias pessoas e autoridades na tentativa de libertá-la da escravidão. No entanto, tal esforço mostra-se em vão, como se pode ler na seguinte passagem:
Bem se lembrar o infeliz pai de dar denúncias do facto às autoridades, implorando a proteção das leis a favor de sua filha, para que não fosse vítima das violências e sevícias de seu dissoluto e brutal senhor. Mas todos, a quem consultava, respondiam-lhe a uma voz: – Não se meta em tal; é tempo perdido. (GUIMARÃES, 1978: 108)
Dominado pela frustração e angústia, diante da recusa e da impossibilidade de conseguir a alforria da sua filha, Miguel propõe que os dois fujam, explicando
já tenho tudo prevenido. O dinheiro, que não serviu para alcançar a tua liberdade, vai agora prestar-nos para arrancar-te às garras desse monstro. Tudo está já disposto, Isaura. Fujamos. (GUIMARÃRES, 1978: 84).
E continua:
A empresa é arriscada, não posso negar-te; mas ânimo, Isaura; é nossa única tábua de salvação; agarremos a ela com fé, e encomendemo-nos à divina Providência. (GUIMARÃRES, 1978: 85).
Pai e filha fogem, portanto, para o Recife em um navio negreiro, ajudado pelo seu Capitão que era um português e amigo de longa data de Miguel. Lá, mudaram de identidade, mas acabam, mais tarde, por serem denunciados durante um baile da sociedade local. Isaura, assim, é levada de volta para a fazenda pelas mãos de Leôncio e Miguel é preso e segue-se o desfecho da história como referido anteriormente na apresentação do romance. Em suma, o português encarnado na figura de Miguel é apresentado pelo autor de modo positivo.